De oceanógrafa para programadora
Nesta semana me pediram pra contar um pouco sobre como eu virei programadora (ou pelo menos estou no processo). Eu escrevi esse texto para contar um pouco mais sobre essa história.
Vamos começar do começo: sou oceanógrafa formada pela Universidade Federal de Santa Catarina em Dezembro de 2013. Bom, isso por si só, já costuma assustar as pessoas. Oceoque?
A Oceanografia é linda e apaixonante. Aprendi muitas coisas interessantes e me apaixonei por muitas matérias que eram assustadoras. Logo no começo tivemos cálculos, físicas, e etc. Quando comecei a trabalhar na área eu transitei entre a oceanografia geológica e física até que, em 2011, consegui um estágio num instituto de pesquisa da Marinha e fui definitivamente para a Oceanografia Física, que é a área mais perto das exatas.
Na oceanografia é muito comum trabalhar com dados matriciais e vetoriais e, para isso é comum utilizar um software chamado MATLAB. Por isso, durante o curso acabei aprendendo um pouco de MATLAB. Que é semelhante a uma linguagem de programação, com lógica de loops, condicionais e etc.
No entanto, quando eu cheguei na marinha, conheci dois oceanógrafos que trabalhavam com Python. Python? O que é isso? Tivemos várias discussões sobre como o MATLAB era um software pago e na faculdade usávamos a versão pirata, o que não era legal em ambos os sentidos da palavra, né? Nessa onda, eles começaram a me falar sobre como o Python seria o futuro da oceanografia, graças à sua maleabilidade, facilidade e, ainda por cima, era gratuito! Show de bola. Vamos aprender, né?
E assim eu tive o meu primeiro contato com uma linguagem de programação mais propriamente dita. Os meus colegas foram muito espertos, sabe por quê? Todos os dias eles me desafiavam a algo novo. “Duvido que você consiga ler esse txt”, “Agora faça essa atividade com a menor quantidade de linhas possível”, e assim por diante. Eu achava aquilo fantástico! Como eles eram criativos! Tempos depois descobri que estava tudo online. Ok!
Nesse meio tempo também tive contato com Linux, acesso a distância, Ubuntu, terminais, etc. Um mundo novo foi aberto para mim, e era muito interessante!
Voltando do estágio cai na dura realidade: ninguém trabalhava com python, ninguém usava ubuntu/linux e não tinha como mudar as coisas. Ok, MATLAB então. Uma das coisas que mais me desmotivou foi ter que aprender as coisas sozinha, travando nas minhas dúvidas e, ainda por cima, pra aprender algo que as pessoas não viam utilidade (dentro da nossa área).
No final da faculdade comecei a trabalhar numa multinacional com engenharia portuária e costeira. MATLAB e Windows na veia. Mas, teimosa que sou, comecei a colocar Python no que eu podia. Apesar de afastada dos estudos contínuos, eu gostava muito da linguagem e queria continuar aprendendo (desde que eu fizesse algo útil). Então eu usei Python pra automatizar a produção de mapas num software chamado ArcGIS, depois desenvolvi um software pra calcular o tamanho de um navio com base em umas tabelas internacionais e até me aventurei brevemente pela web com o Django.
Um belo dia decidi fazer mestrado e ai tomei a decisão de que todos os pré e pós processamentos seriam com Python. Também escolhi um modelo numérico que só poderia ser utilizado em ambiente Linux. Ai eu me desafiei de verdade. Resolvi sair da preguiça e aprender! Nem que fosse sozinha! (Mas mas não foi!). Um amigo me ajudou muito e assim eu fui aprendendo ainda mais e gostando cada vez mais.
Nesse meio tempo o grupo da Python Floripa se formou. Na primeira reunião pedi pra um amigo ir comigo, porque tinha medo e vergonha de não saber o suficiente. Na última hora ele cancelou comigo! Acabei não desistindo e fui no encontro de qualquer forma. Eu era a única menina naquela primeira reunião e, pra melhorar, as palestras foram puramente sobre web. Eu não entendi nada, mas achei aquele mundo fantástico.
Decidi não ir nos próximos encontros, porque eu assustei com o conteúdo e com o quanto eu não entendi as coisas. Mas ai aconteceu a “mágica” da comunidade Python. Os meninos repararam nesse problema e chamaram uma pessoa para dar uma palestra que fosse mais “a minha cara” (menos web e mais análise de dados). Quando a palestra ia acontecer vários deles me mandaram mensagens avisando e falando que eu deveria ir. Fantástico, né? Depois disso me engajei de verdade e comecei a me envolver com a organização do SciPy LA 2016, Python Brasil 12 e principalmente do Pyladies. Além disso, o Anitas estava se formando e conheci mulheres maravilhosas e engajadas. Enfim, em 6 meses tudo mudou e eu já tinha mudado minha vida completamente.
E assim eu fui percebendo que eu gostava daquilo. Muito mesmo. Eu amava programar, Github, Python, Ubuntu, etc. Eu podia gastar horas estudando isso. Conforme eu me envolvia, eu percebi que poderia ser uma segunda opção. No entanto eu fiz o que a maioria de nós faz: pensei que nunca iria conseguir. “Não sou boa o suficiente”, “Jamais conseguiria me envolver totalmente nisso”, etc. Pensei mesmo. Não adianta, nós pensamos, e todos sabemos que sim. Mas mesmo pensando isso, não parei de tentar aprender e de me envolver nas coisas. Não era o objetivo mesmo! Ai um belo dia eu resolvi apresentar para aquele pessoal de web o que uma oceanógrafa estava fazendo indo nos encontros. Afinal, eu programava? Porque? Então apresentei um pouco dos meus resultados do mestrado, que tipo de dados eu trabalhava e um vídeozinho com uma onda de maré sendo propagada no meu modelo numérico.
No mesmo dia, a gerente de projetos de uma empresa havia dito que havia uma vaga aberta para backend em Python. No fim da noite me vi ao lado dela e resolvi saber mais sobre a vaga que ela havia comentado e começamos a conversar. O que disse no final foi: “muito legal, mas infelizmente não posso concorrer para essa vaga”. Ela me questionou o porquê e eu disse que sabia Python, mas o que eles trabalhavam era uma área totalmente diferente. E foi ai eu recebi uma resposta que eu não esperava ouvir: “Não tem problema, o que você faz é tão complexo quanto, vem conversar com a gente com mais calma!”
E eu fui. Assim, em 3 semanas a minha vida mudou, eu pedi demissão da minha empresa para virar backend developer, onde estou hoje indo para a minha terceira semana.
Enquanto eu avisava as pessoas que estava mudando de área, eu fiquei esperando receber um “você está louca”! Mas não foi isso que eu recebi… Eu recebi muito apoio e incentivo, principalmente das pessoas mais próximas que aguentaram minhas inseguranças durante todo o processo entre a primeira conversa até o meu primeiro dia de trabalho.
Não vou mentir. Na noite anterior ao meu primeiro dia eu entrei em pânico. Chorei muito. O que eu estava fazendo? Eu não ia conseguir isso! Era uma loucura! O que eu tive não foi racional, foi puramente emocional e descontrolado. Liguei pra quem eu sabia que ia me acalmar e assim me joguei no dia seguinte, com muito medo e uma vontade enorme de querer dar certo.
Então eu gostaria de falar algumas coisas que eu aprendi no processo…
A primeira coisa que eu aprendi é que eu não fiz essa mudança sem medo e sem insegurança. Isso não pode deixar a gente parar de fazer as coisas jamais! Recebi vários comentários dizendo que a minha coragem foi inspiradora e que eu era um exemplo. Eu não me considero exemplo de nada! Vocês não imaginam o medo que eu estava! Mas foi ai que eu percebi que os nossos exemplos também tem medo e isso não é problema nenhum. Faça com medo mesmo, mas faça!
A segunda coisa é: faça as coisas com paixão. Descubra o que você gosta e faça! Independente se você tem perspectivas, mesmo que você ache que não sabe e que não vai conseguir. O importante é gostar de alguma coisa.
E a última é: cerque-se e valorize as pessoas que te apoiam. Eu jamais teria alcançado tanta coisa e tido coragem de mudar a minha vida se eu não contasse com o apoio de inúmeros anjos, desde os primeiros que me esafiaram até os atuais que me apoiaram e continuam me apoiando.
Esse é um lugar onde decidi compartilhar minha história e tentar ajudar meninas que tem vontade de aprender a programar. Entre, fique a vontade e eu espero que você se apaixone tanto quanto eu.
❤ Abraço! Letícia