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De Oceanógrafa a desenvolvedora auto-didata trabalhando na Stripe

Foto de um microfone com um estilo retrô e um fundo desfocado

Esse texto é a tradução da entrevista que eu fiz com o site No CS Degree em 2020 :)

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Letícia é uma desenvolvedora de web brasileira que trocou de carreira há 4 anos atrás. Sua formação foi em Oceanografia, mas ela foi picada pela mosquinha da programação! Ela conseguiu um emprego como desenvolvedora na gigante de fintech (empresa de tecnologia financeira) Stripe. Ela é um ótimo exemplo de como uma engenheira de software pode ter sucesso sem uma graduação em Ciências da Computação.

Olá, pode se apresentar para nós?

Oi, meu nome é Letícia. Eu cursei Oceanografia em uma universidade no sul do Brasil. Oceanografia é uma área linda e estimulante e eu tive a oportunidade de estudar um enorme conjunto de matérias como cálculo, biologia, química e gerenciamento costeiro. É normal que oceanógrafos trabalhem com matrizes e vetores, então acabei aprendendo um pouco de MATLAB. A partir daí, estudei Pyton e me apaixonei pela programação.

A partir daí, me envolvi com a comunidade Python e comecei a ensinar mulheres como programar e organizar os eventos. Naquela época eu estava cursando o mestrado em Oceanografia e ninguém entendia o que tudo aquilo significava para mim. Foi assim que um certo dia eu decidi mostrar o que eu estava fazendo com programação e aquilo foi surpreendente. Nesse mesmo dia encontrei uma gerente que me ofereceu meu primeiro trabalho na área.

Depois disso consegui um trabalho após o outro. Quando eu decidi que iria para Dublin com meu parceiro, trabalhei por um curto período na NGO, num projeto que analisava dados de políticos brasileiros e, a seguir, consegui um estágio na Outreachy trabalhando como o JupyterHub. Aquela foi uma oportunidade de mudança na minha vida. Encontrei muitas pessoas incríveis no projeto JupyterHub e trabalhei com um grande projeto open-source. Difícil dizer o quanto isso significou para mim. Outreachy é um programa excepcional e eu o recomendo fortemente para quem ainda não tem muita experiência.

Quatro anos após trocar de carreira, eu moro em Dublin, Irlanda, e estou trabalhando como Engenheira de Software na Stripe desde 2019. Desde que comecei minha carreira como Engenheira de Software eu escrevo textos falando sobre esse estranho trajeto que fui seguindo, meus esforços na carreira, dando dicas para iniciantes e, acima de tudo, compartilhando as coisas que aprendo enquanto continuo estudando. Esta é minha ferramenta favorita para estudar coisas novas.

Além disso, desde 2017 estou à frente do primeiro podcast brasileiro em Ciência de Dados, que se chama Pizza de Dados. Nele compartilhamos o trabalho de brasileiros pelo mundo, trazendo conteúdo de qualidade para um público que nem sempre fala inglês.

Você pode nos dizer como é hoje um dia normal na Stripe?

É difícil dizer porque cada dia é um dia diferente. Atualmente estou baseada em Dublin, e começo meus dias lendo mensagens de Slack que chegaram no fuso horário do Pacífico. A seguir, dou continuidade às tarefas que eu e meu time já havíamos programado para mim. Temos uma reunião semanal de planejamento às segundas-feiras, portanto eu já sei quais tarefas terei que fazer durante a semana.

Essas tarefas podem variar como programar, escrever e revisar documentos ou revisar uma gama de solicitações. Algumas vezes por semana temos reuniões com outros times que têm assuntos interdependentes ou que participam do mesmo projeto. Temos também que fazer uma série de entrevistas. Também faço reuniões com outros colegas e isso é uma parte importante do trabalho na Stripe.

Como você se ensinou a programar?

Isso aconteceu entre altos e baixos. Comecei estudando as coisas que eram necessárias para analisar dados. Principalmente aprendendo como usar MATLAB. Eu ainda não tinha entendido que aquilo já era programação, mas sabia que eu gostava daquilo. Naquela época eu comecei um estágio em um instituto de pesquisas da Marinha brasileira.

Lá, encontrei algumas pessoas que me mostraram que eu poderia fazer muito mais coisas usando Python do que com MATLAB. Eles começaram me passando pequenos problemas de modo que pude me entusiasmar. Em seguida eu comecei a procurar alguns cursos online tais como aulas no MIT OpenCourseWare enquanto lia livros a respeito. Fiquei viciada!

Nunca imaginei que trocar de carreira fosse uma possibilidade. Eu basicamente estudava porque gostava. Lembro que meu primeiro script útil em Pyton foi automatizar a produção de mapas PDF num programa chamado ArcGIS. Foram infinitas tentativas e frustrações usando a documentação. Quando terminei, reduzi a produção de mapas de 4 dias para 15 minutos.

Quando consegui meu primeiro emprego como engenheira de sofwtare, precisei aprender tudo, incluindo o que é uma API. É muito louco pensar que eu não sabia nem mesmo o que era um pedido HTTP, mas mesmo assim eu consegui o trabalho. Então, muito do meu aprendizado aconteceu durante minhas horas de trabalho, quando colegas me passavam o entendimento básico e eu ia para casa e mergulhava naquilo tanto quanto era possível.

Isso foi uma das coisas que me motivaram a escrever sobre as coisas que aprendi. Todo meu conhecimento foi retirado de posts, vídeos e amigos atenciosos. Agora sinto como uma obrigação fazer isso para outras pessoas. Sei que há muito material bom por aí, mas às vezes a forma de escrever não é boa para quem está se esforçando para aprender. Não importa se isso foi escrito mil vezes, temos que escrever para aprender. Mesmo que seja para nós mesmos! Minha regra geral é: se levar mais de 5 minutos para responder uma pergunta, vale a pena escrever um post sobre isso.

Como você conseguiu seu primeiro trabalho com programação?

Meu primeiro trabalho me foi oferecido por uma gerente que ouviu minha conversa em um encontro local. Ela viu o que eu estava fazendo no meu mestrado e me disse que aquelas coisas eram tão complexas quanto construir um website e que eu deveria ir trabalhar com ela. Ela realmente confiou em mim e eu agradeço demais a ela por isso. A empresa não era boa para eu me adaptar, então eu tive que mudar de trabalho alguns meses depois.

Como a sua vida mudou depois que você se tornou uma programadora?

Mudou completamente. Hoje eu sinto que tenho total controle sobre minha carreira e meu futuro profissional, Fui capaz de mudar para outro país sem conhecer ninguém e mesmo assim conseguir um trabalho. Eu amo oceanografia, mas é uma área tão pequena que significa que para ir adiante é preciso correr atrás do trabalho e não ao contrário.

Além disso, sou apaixonada por como a programação pode ser usada em qualquer área. Trabalhei em marketplaces, em sistemas para a área jurídica e agora em infraestrutura financeira. É como se eu tivesse um super-poder que posso usar onde for necessário. Isso não é incrível?

Como você falou sobre a sua mudança de carreira quando fez a entrevista para a Stripe?

Falei sobre minha mudança de carreira no momento em que me apresentei para a entrevista com meu gerente. Lembro que falamos um pouco sobre minha mudança de carreira e como foi o processo até o momento da entrevista. As perguntas foram usadas mais como uma forma de identificar como lidar com problemas do que ter ou não formação na área. Eu não acho que a falta de um diploma formal na área de tecnologia tenha influenciado na minha contratação.

Que conselho você pode dar para alguém que está tentando estudar programação sozinho?

Eu fiz um enorme post dedicado a ess assunto para comemorar meu quarto aniversário como engenheira de softer. Mas se eu puder resumir eu diria o seguinte:

  • Seja gentil consigo mesma. Tecnologia é uma área complicada e você não poderá conquistar o mundo em um dia ou em um mês. Tudo acontece no seu tempo e você deve entender e respeitar esse seu tempo
  • Faça amigos. Os melhores trabalhos e as ótimas oportunidades geralmente são abertas primeiro para recomendações. Ter a sua rede de contatos ajudará você a conseguir novos (e melhores) trabalhos e também será útil para se preparar para uma entrevista, assim como para outras coisas. Conferências e encontros são excelentes locais para encontrar gente interessante e fazer amigos.
  • Aprenda como ”vender” suas habilidades. Quando você ainda não tem muito conhecimento sobre programação e tecnologia você precisa que as empresas saibam que você tem outras habilidades. O que faz de você uma candidata diferenciada? Claro que você precisa de algum conhecimento antes de se candidatar para entrevistas de trabalho em tecnologia, mas você precisa usar sua experiência e (seu histórico) para mostrar que você é capaz. Todas tem suas habilidades. Descubra a sua e certifique-se de mostrá-la na sua entrevista
  • Aprenda bem pelo menos uma linguagem de programação. É tão fácil envolver-se em frameworks, linguagens, tendências que você poderá perder o foco e ficar dando voltas. Focar em uma linguagem lhe dará um impulso para construir algo, e ao mesmo tempo conseguirá ferramentas para quando quiser aprender uma outra linguagem. E a palavra chave é “o bastante”. Saiba que você não tem como você saber tudo, então entenda que você deve aprender o bastante pra ficar confortável.

Quais são seus sonhos para seu futuro em programação?

Para falar a verdade, eu não sei! Nunca imaginei que eu pudesse estar onde eu estou exatamente agora, então é um pouco louco pensar sobre o futuro! Neste momento eu quero fazer um bom trabalho na Stripe, construir coisas surpreendentes e emocionantes que me façam ter orgulho de mim mesma.

Acho que eu gostaria de estudar para ser uma líder técnica no futuro. Acho que seria um trabalho que eu gostaria de fazer. Ao mesmo tempo eu quero continuar escrevendo meus posts no meu site. Isto é uma coisa da qual me orgulho muito. Quem sabe eu converta os meus textos em um livro, ou qualquer coisa assim. Isso seria tornar realidade um velho sonho!


Abraço!
Letícia

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