Gêneros e prioridades: o que muda?
Já está disponível a pesquisa versão 2018 de desenvolvedores do Stack Overflow, nosso site amado de dúvidas <3. Todo ano, o Stack Overflow faz uma pesquisa para tentar entender como a comunidade de desenvolvedores está, que tecnologias prefere e quais são suas visões sobre carreira e crescimento profissional.
Este ano, mais de 100 mil desenvolvedores respoderam o questionário, sendo esta a maior pesquisa feita por eles até o momento.
Os dados do Stack Overflow que eu quero falar diz respeito às prioridades que cada pessoa tem quando busca um novo trabalho. Mas antes de conversarmos sobre o que é prioridade para cada gênero e o por quê é prioridade, vamos relembrar alguns dados estatísticos.
Realidade da pesquisa e do mercado
Antes de começarmos a falar da questão especfica da prioridade de carreira em cada gênero, temos que lembrar que a maioria das pessoas que responderam a pesquisa são homens, héteros, brancos e sem filhos. Algumas discussões interessantes estão rolando sobre como a pesquisa não representa o mercado de trabalho e como é enviesada aqui, aqui e aqui. Essa discussão sobre o viés da pesquisa não vai ser abordada aqui, mas que é de extrema relevância.
Além disso, de todas as respostas que foram dadas, a maior parte das respostas vieram de cargos ligados diretamente com desenvolvimento, seja ele back, front, mobile ou full-stack.
É importantíssimo não nos esquecermos de que a maioria das perguntas vieram de cargos de desenvolvimento. Porque não podemos esquecer? Porque precisamos ter sempre em mente que times de desenvolvimento são compostos majoritariamente por homens (brancos, héteros e sem filhos… ). Isso é relevante quando vamos analisar comportamentos e também é importante ressaltar que, aparentemente, a perspectiva de melhoras significativas no curto prazo não é das mais favoráveis. De acordo com o gráfico abaixo, mulheres ocupam de cerca de 25% de cargos na área de tecnologia.
Agora, mesmo quando consideramos apenas cargos ligados à área de tecnologia, os cinco cargos mais ocupados por mulheres não estão ligados diretamente ao desenvolvimento. Gerente de projeto, analista de negócios, tester… nenhum deles está ligado a desenvolvimento. Ou seja, mesmo os 25% que ocupamos estão restritos a profissões menos técnicas.
Pensando nos desafios que as mulheres tem nessa área, vemos que a falta de mentores e lideranças femininas são
relevantes, seguidos do preconceito pelo gênero no âmbiente de trabalho e
poucas oportunidades de crescimento quando comparado com homens.
Prioridades na carreira
Ok, dado que você sabe dessas informações vamos analisar agora as prioridades de cada gênero. De 54536 respostas, 19% dos homens priorizaram compensação e benefícios oferecidos e 17,6%, as linguagens, tecnologias e frameworks utilizados no trabalho. Ou seja, as maiores prioridades masculinas são direcionadas para coisas palpáveis, benefícios que serão aproveitados no curto prazo ou imediatamente.
Quando observamos as respostas de mulheres, podemos reparar logo de início que o percentual de respostas cai consideravelmente: só 4026 respostas. Isso representa menos de 10% das respostas masculinas o que é, por si só, um valor abaixo do que os 25% que vimos no primeiro gráfico. Para entendermos essa taxa de resposta abaixo das estatísticas que vimos no começo do texto temos que considerar dois fatores:
- 70% das respostas eram de desenvolvedores
- As 5 profissões de tecnologia mais ocupadas por mulheres não incluem desenvolvimento
Ok, então já de cara só pelo número de respostas já vemos um problema que é bem conhecido: poucas mulheres em cargos técnicos de desenvolvimento. E as prioridades? Se olharmos para o gráfico, podemos ver que enquanto homens priorizam coisas palpáveis como benefícios, as mulheres priorizam a cultura da empresa (16,9%) e oportunidades para desenvolvimento profissional (16,8%). A pergunta que eu me fiz quando eu vi isso foi: por que?
Baseada em todas as inúmeras estatísticas que leio e minha própria experiência pessoal, cheguei a alguma conclusões a respeito disso. Mulheres valorizarem a cultura da empresa me parece, de fato, a escolha mais óbvia. Todas nós já passamos (ou conhecemos alguém que passou) por alguma situação de machismo, seja ele velado ou não. Me parece natural que mulheres busquem conhecer e priorizar empresas cuja cultura promova um ambiente mais ameno, um lugar onde suas opiniões são ouvidas e a equipe lhe aceite sem nenhum problema (ou com problemas minimizados, né?).
O mais interessante é que a cultura da empresa
não está necessariamente atrelada
à diversidade, dado que esta apareceu em penúltimo lugar (4,3%). Ou seja, para as mulheres, buscar um ambiente agradável que
lhe permita trabalhar com conforto e segurança não está atrelado à ideia de diversidade. Até porque com esses números, conseguir
uma empresa diversificada é uma tarefa bastante árdua.
O segundo ponto mais priorizado pelas mulheres são as oportunidades para desenvolvimento profissional. De novo, algo nada palpável e talvez com benefícios de médio a longo prazo. Por que?
E aí temos aquelas perguntas… Quantas mulheres você conhece que não foram respeitadas por um time? Que tiveram suas ideias roubadas? Que não eram respondidas por seus colegas ou inferiores? Um ambiente que permite um desenvolvimento profissional feminino precisa, necessariamente, lidar com essas diferenças e com a capacidade de gerenciar problemas oriundos da relação de diferentes gêneros. Lembrando que esses problemas sempre podem ser agravados quando existe uma minoria em uma posição de poder.
Olhando agora para os gráficos de pessoas não-binárias e trans, vemos que os números de respostas são infinitamente menores (545 e 383, respectivamente). Cada grupo representa menos de 1% do grupo masculino. Se o cenário é difícil para mulheres, para esses grupos a coisa vai além. Não é de se admirar, portanto, que cultura da empresa e diversidade na organização apareçam em primeiro e em quarto lugar. Não só uma busca por um ambiente acolhedor, mas por pessoas que entendam e compreendam seu lugar como minoria e os ajudem a buscar o respeito e equalidade.
O que fico refletindo é que se nós priorizamos ambientes de trabalho que nos são favoráveis em detrimento de benefícios, nós podemos muitas vezes aceitar salários mais baixos. A busca por um ambiente confortável aliada à estatística de que apenas 7% das mulheres negociam salários podem ser a ponta do iceberg da grande questão de salários diferentes.
Ao mesmo tempo, é importante que conheçamos essas estatísticas para que saibamos o nosso valor e como alcança-lo, evitando empresas que usam a bandeira da diversidade para contratar minorias capacitadas com salários mais baixos.
Não podemos deixar o que nos é de direito diminuir o que nos é justo.
❤ Abraço! Letícia