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Como eu lido com minha síndrome de impostora

Com o passar dos anos eu desenvolvi uma metodologia para lidar com a minha síndrome de impostor nas diferentes escalas de tempo em que ela ocorre. Essa metodologia não é algo super complexo ou com uma profunda base teórica, mas funcionou para mim e me ajudou muito no último ano.

Eu me sinto uma fraude em diferentes momentos e escalas. Às vezes me sinto uma fraude porque faz 3 dias e não consegui completar uma atividade. Às vezes é porque um grande plano de vida falhou. Para resolver esse problema eu decidi atacar esse sentimento em três escalas de tempo: semanas, meses e anos.

Lidando na escala de dias/semanas

É bastante comum ao final de uma semana de trabalho parar e pensar: “o que eu fiz esta semana?”. Eu geralmente esqueço onde passei todo o meu tempo e sinto que não fiz absolutamente nada. Quanto mais eu trabalho com coisas menos concretas como participar de reuniões, ler ou comentar documentos, responder a e-mails, mentorar alguém, entrevistar candidatos, menos eu sinto que trabalhei. Porém o que eu sinto não é o que aconteceu de fato, certo? Eu estava trabalhando! Pra lidar com isso, eu criei o que chamo de diário profissional. Este diário é algo que me ajuda a acompanhar o meu trabalho no dia a dia e ao longo das semanas.

Basicamente, crio um novo documento toda semana com o ano e o número da semana como identificadores. Eu uso minha configuração do Google Calendário para me mostrar a semana em que estou atualmente.

Para esse diário eu uso o aplicativo Bear.app (disponível apenas para MacOs e iOS) que me permite organizar meus documentos usando hashtags. Então, meu documento começa assim:

2020 Semana 19

2020 Semana 19

Pela forma como eu organizo as hashtags, o Bear me permite visualizar as mesas e buscar notas da seguinte forma:

Em cada documento (que corresponde a uma semana), eu crio uma subseção para cada dia específico. Cada dia começa com uma lista de coisas a fazer que eu tenho que fazer. Normalmente, todas as manhãs, eu pego as tarefas que não fiz ontem e as adiciono na subseção de hoje e adiciono as demais tarefas que eu preciso fazer.

Eu também escrevo sobre as coisas que fiz no meu dia. Estas são as coisas que eu costumo escrever:

  • Coisas que eu fiz nesse dia e que não estavam na minha lista
  • Documentos que li
  • Pessoas com quem eu me encontrei
  • Reuniões que participei e o que tirei dessas reuniões
  • Revisões de código que fiz
  • Pull requests que eu trabalhei
  • Qualquer coisa que passei mais de 5 minutos fazendo

Portanto, cada dia fica mais ou menos dessa forma:

Lista de tarefas como: ‘precisei ler esse documento’, ‘tive uma reunião com #quem/daniel’, ‘me preparei pra sessão de mentoria dessa semana’, etc.

Lista de tarefas como: ‘precisei ler esse documento’, ‘tive uma reunião com #quem/daniel’, ‘me preparei pra sessão de mentoria dessa semana’, etc.

Quando a semana termina, geralmente escrevo uma seção Resumo (Overall) que fornecerá o resumo da semana. Com isso, tenho uma maneira rápida de entender o trabalho que realizei sem seguir a descrição detalhada do trabalho que fiz a cada dia. Mas, ao mesmo tempo, tenho a opção de saber o que fiz em detalhes!

Este é um exemplo (real) de uma das minhas semanas:

Na seção Resumo (Overall), lê-se: “foi uma semana difícil. O meu build não passava, trabalhei até tarde e a maior parte das coisas não funcionaram. Então eu quase não tenho descrição dessa semana :(

Na seção Resumo (Overall), lê-se: “foi uma semana difícil. O meu build não passava, trabalhei até tarde e a maior parte das coisas não funcionaram. Então eu quase não tenho descrição dessa semana :(

Como você pode ver no Resumo acima, nem todas as semanas são detalhadas e cheias de coisas que eu fiz. Algumas semanas são difíceis e frustrantes. Mas tudo bem! Deixar explícito o que aconteceu e reconhecer que não foi fácil faz me sentir um pouco melhor.

Obs: Esta solução está completamente focada no meu lado profissional. Tentei aplicá-la na minha vida pessoal e infelizmente não achei que funcionou.

Lidando na escala de meses

À medida que os dias e as semanas passam, você pode até sentir que está trabalhando, mas não necessariamente aprendendo ou mesmo avançando. Você também tem conquistas maiores que foram realizadas pelo conjunto de vários pequenos trabalhos que você colocou no seu diário. Assim, para a escala de meses de trabalho, escrevo um Documento de Orgulho (ou em inglês Brag Document). Eu sigo a estrutura proposta pela incrível Julia Evan com essas categorias:

  1. Objetivos para esse ano
  2. Objetivos para o ano que vem
  3. Projetos que eu trabalhei
  4. Documentação
  5. Construção da empresa
  6. Pessoas que eu mentorei
  7. Coisas que eu aprendi
  8. Coisas pessoais

As seções de Objetivos me mantém focada no que eu quero alcançar como profissional, mas são objetivos alcançáveis. Por exemplo, quando entrei na minha nova empresa, meus objetivos de curtos prazo eram sobreviver aos primeiros 6 meses e trabalhar em um projeto que teria um resultado claro.

⛔️ Objetivo inalcançável ✅ Objetivo alcançável
Aprender Scala Terminar o curso de Scala
Escrever mais no meu blog Escrever 3 artigos pro blog
Ser uma mentora melhor Pedir feedback da pessoa que estou mentorando sobre o que eu posso melhorar

Na seção Projetos em que trabalhei, Documentação e Construção da Empresa, costumo adicionar pequenas frases dizendo o que fiz e tento sempre adicionar um link ao resultado concreto. Pode ser uma pesquisa, uma solicitação de recebimento, uma entrevista de usuário, uma proposta de processo que ajudou minha equipe a melhorar o trabalho. Não importa.

Exemplos:

  • Eu propus que nossa equipe tivesse uma atualização semanal
    • Criei um modelo
    • Enviei 10 e-mails com as atualizações durante o ano
  • Trabalhei na implementação do recurso X
    • Propus um design
    • Passei pela revisão técnica com o comitê
    • Implementei o código
    • Fiz entrevista de feedback com um usuário
  • Dei um tutorial para 10 pessoas sobre como criar seu próprio site

Este Documento de Orgulho deve ser simples o suficiente para ser fácil de ler, mas profundo o suficiente para mostrar o trabalho que você fez. E deve ser público. Você deve se sentir confiante em compartilhá-lo com seus colegas de trabalho, seu gerente ou qualquer um que avalie seu desempenho. Se você não se lembra o que fez nos últimos meses, como espera que seu gerente ou colegas de trabalho se lembrem? É para isso que serve também o documento de orgulho: ajudar você a ser reconhecida pelo trabalho que fez.

O que faço é que, a cada duas semanas, preencho meu Documento de Orgulho com as coisas relevantes que terminei. Também o compartilho com minhas amigas mais próximas para que elas confirmem que não estou deixando de lado coisas que trabalhei e que estou vendendo bem o impacto que tive.

Lidando na escala de anos

Então, como você pode ver, as escalas acima são muito focadas na minha carreira profissional. Mas a minha vida (e as minhas conquistas) não acontecem apenas no lado profissional. Muitas mentoras e livros me dizem para ter metas claras e definir onde eu quero estar no final do ano, pra definir um plano. Eu não consigo fazer isso. Eu coloco muita pressão em mim mesma sem ter definido uma meta clara, imagina com uma. Não gosto, me sinto pressionada. Então eu faço o oposto. Vivo minha vida como quero e, no final do ano, sento e escrevo tudo o que aconteceu comigo naquele ano. Isso inclui coisas pessoais e profissionais. Eu apenas escrevo como se estivesse dizendo a uma amiga. Quando termino e não consigo pensar em mais nada, eu leio o ano anterior ao que eu escrevi… e meu Deus, é um sentimento incrível!

Com o passar dos anos, você pode ver sua evolução, os problemas que enfrentou, as coisas que fracassou… você vê o quão forte ficou. Quantas coisas incríveis você fez e quantos problemas superou. É maravilhoso!

Isso é algo extremamente pessoal. Acho que nunca nem compartilhei o meu documento com meu parceiro. Não é feito para ninguém, mas para mim! Este será o meu quarto ano fazendo isso, e mal posso esperar para fazer a revisão deste ano.

Exemplos (reais) de coisas que eu já adicionei ao longo desses anos:

  • Eu conheci o amor da minha vida ❤
  • Viajei para 12 cidades
  • Fui rejeitada por 10 empresas
  • Dei 3 palestras em inglês
  • Pude passar alguns dias com meu primo bebê que mora longe
  • Perdi uma pessoa querida que era como uma avó para mim

Realmente não importa o que você adicionar lá. Pode ser grande ou pequeno, desde que você considere algo que tenha superado ou alcançado ❤


Estas são minhas estratégias para lidar com a minha síndrome de impostor. Como em tudo na vida, isso não significa que é algo definitivo, não significa que funciona o tempo todo, mas é o que está funcionando até agora. Como esta adorável história em quadrinhos mostra: com pequenos passos, podemos ir tão longe!


Abraço!
Letícia

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